quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Crônicas do Irani (2)

    Por Celso Martins
Reprodução: Celso Martins. Acervo: Cecília B. Talim (Concórdia-SC). José Fabrício das Neves (a direita, de branco) com seu estado-maior em Catanduva-SC (1919)
Fala Antônio Martins Fabrício das Neves

    No dia 17 de outubro de 1990, o senhor Antônio Martins Fabrício das Neves foi entrevistado pela professora Eunice Cadore Franzack em sua residência na Fazenda Bela Vista, no Irani-SC. A entrevista gravada foi transcrita por Dylce Joana Weirich e se encontra no Museu Histórico de Concórdia-SC.


    Nascido em 13 de junho de 1922, filho de João Damas Fabrício das Neves e de dona Gertrudes Martins de Lima, Antônio cresceu ouvindo relatos do entrevero e seus personagens. Nos anos 1930 ele colocou em versos as informações recolhidas.

    O que ele diz sobre José Maria, José Fabrício das Neves e o combate de 1912?

    Fabrício era “um dos de mais confiança” do monge. “Até o José Maria disse que ajudou muito ele nesse ideal de colonização, então depois ficaram muito conhecidos, muito amigos. O José Maria tinha ele como um assessor dele, mas um assessorava o outro porque não tinha um posto maior que o outro”.

    No dia do combate José Maria disse a José Fabrício “que se era para morrer gente ele ia morrer”, pois não ia deixar “essa coloniada tudo aí na frente e eu ficar lá atrás, e nós temos que ir na frente”.

    José Maria “não falava” do monge João Maria, “nunca falou”. Era uma “pessoa que só pensava para o bem, ele, acho que ele era mesmo um legítimo monge”. Era um “um homem muito inteligente, muito, ele falava onze línguas e rezava uma missa como os padres antigos rezavam”. Rezou uma missa no Irani antes da batalha. “Diz que previu que ia morrer por que ele disse para o Fabrício – eu vou morrer, mas você não passe do meu sangue que você vai ser um herói no mato. Agora se você vai para a cidade... No campo você vai ser um gato, no mato você é uma onça e no campo você é um gato. Não passe”.

    Disse ainda José Maria a José Fabrício: “Venha até onde nós brigamos e vencemos e volte para trás, não passe do nosso sangue que nós derramamos. Mesmo porque daí você só vai mal. No mato você é uma onça e lá no campo você é um gato. Então, respeite isso aí. E foi o que aconteceu, o Fabrício se iludiu, passou, e aconteceu terminando morrendo”. Nos versos que escreveu Antônio se refere a tigre no lugar de onça.

    Num determinado momento Eunice pergunta qual o motivo do Combate do Irani. Segundo Antônio, circulam “muitas idéias” a respeito, “mas o que o povo sem estudo aqui previa no mato eu concordo que eles estavam certos”. Ou seja, “havia qualquer interesse sobre aquele terreno, e esses general lá, esses comandante do Exército”, precisavam de um motivo “para não vir simplesmente vir aqui matar ou fazer o que eles queriam, inventaram aquilo”. Inventaram que “estavam formando um reduto de jagunço, a santidade”, o que provocou “um escândalo aqui no sertão”.

    Segundo o depoente, “não era verdade”, porque “esse José Maria era um homem de muito estudo de muito respeito, e eles tinham ele como um bandido, mas bandido que não tinha morte, não houve nada”. Existiam na época “centros de colonos trabalhando com eles aí a espera da iniciativa que eles tinham. Então eu acho que nesse combate aí havia algum interesse particular”. De quem? Pergunta a professora Eunice. “Eu acho que de alguns prevendo não deixar eles fazer o que eles queriam”, destaca, “que era a posse da terra para todo mundo”.

    Naquele tempo, observa Antônio Martins Fabrício das Neves, nas regiões de Palmas, Curitibanos e “na costa do mar”, “já tinha essa gente muito rica, tinha esses donos que trabalhavam na estrada de ferro, porque eles já queriam colonizar. Então eu acredito que o pessoal ficou nessa suspeita, que houve isso por causa do próprio terreno, não foi por outra coisa”.

    Questionado sobre problemas ocorridos em Palmas quando um grupo de moradores foi buscar títulos de terras, Antônio confirmou que o cartório de Palmas pediu que José Fabrício fosse até lá, que “ajudava e fazia o possível de documentar todo esse pessoal que ele levasse”. Porém, continua, “o interesse de outra gente, de algum, o interesse de algum outro pegar aquela frente que o Fabrício estava praticando, para fazer a colonização. Tudo isso era o nosso povo, a fabriciada daqui como a senhora dizia, ficou nessa suspeita, e eu concordo com eles que isso quase que seria uma realidade”.

    Um dos autores mais respeitados no tema Contestado, Maurício Vinhas de Queiroz, parece ter bebido na mesma fonte do senhor Antônio Martins Fabrício das Neves para escrever o capítulo sobre o Combate do Irani em seu livro “Messianismo e conflito social”.

    Neste livro, resultado de pesquisas entre os anos de 1953 e 1961, Queiroz enfatiza a ocupação dos campos do Irani por famílias vindas do Rio Grande do Sul após a Revolução Federalista e os interesses do coronelismo de Palmas. “José Maria há muito conhecia o povo do Irani. Considerava-o sua gente. Não é de estranhar que, perseguido” em Santa Catarina, “tenha surgido” em outubro de 1912 “no chamado Faxinal dos Fabrícios”. (QUEIROZ, p. 91-92) (Por Celso Martins, outubro de 2011)

Fontes

Transcrição da entrevista de Antônio Martins Fabrício das Neves a professora Eunice Cadore Franzack (Fazenda Bela Vista, Irani-SC), em 17 de outubro de 1990, existente no Museu Histórico de Concórdia-SC. QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social – A guerra sertaneja do Contestado. São Paulo: Ática, 1981.

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