quarta-feira, 9 de agosto de 2017

APRENDI



Emanuel
   por Emanuel Medeiros Vieira      
                
“Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém. Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim e ter paciência para que a vida faça o resto". (William Shakespeare)

 "Estamos vivendo um momento cinzento, obscuro. E é importante algo que nos conforte(...). Não sinto-me representado por ninguém". (Selton Mello - ator/diretor)                                 
"Não somos salafrários. Somos ecxelências". (deputado Júlio Lopes -PP/RJ)
   
   Esfarela-se o tempo e a sensação (no inconsciente coletivo) é de falência das utopias, de miséria espiritual, de degradação de valores, de descrença quase absoluta na transformação do país pela via institucional. (É claro que não estou falando em luta armada. De novo? Não.)

   Saquearam o país. É um tempo no qual os “piratas” mais fortes fazem tudo o que não é lícito para manterem-se no poder.

   Isso é novo? Sempre existiu?

   Talvez não tenha ocorrido com tanta desfaçatez e falta de cerimônia. Muitos já buscam outros caminhos, como a Espiritualização em diversos igrejas ou cultos. Ou caem no cinismo: “São todos iguais” – em um nivelamento geral por baixo.

   O deputado citado acima, que votou a favor da absolvição de Temer contra a denúncia da Procuradoria-Geral da República, diz que ele e outros não são salafrários (poderia dizer velhacos, patifes). São excelências – garante.

   Ou será que aquilo que ocorreu naquela noite de horror, no fundo, seja uma metáfora da sociedade brasileira?

   Da cultura do jeitinho, da valorização da “esperteza” (não da criatividade), do hábito de atravessar sinais vermelhos, de ocupar vagas de idosos e deficientes, de furar filas, de ter a volúpia do calote – de uma cultura que quer tudo sem esforço e renega o mérito? Dos idiotizantes programas de auditório, do xingamento e ferocidades nas redes sociais?

   E o tempo não cessa, na angústia da ampulheta que não para de escoar areia, em uma sucessão interminável de instantes – como tantos já constataram (nada digo de novo).

   Posso deixar de interessar-me pela Política, mas ela não deixará  de se interessar por mim.

   Nosso olhar é medido pelo olhar do outro.

   É preciso que nos encantemos com as coisas simples e belas do cotidiano – é necessário construir o destino que só a nós pertence.

   Tudo que não tem valor contábil parece repudiado pela sociedade na qual vivemos: amizade, amor etc. (mas sem eles, nossa vida fica pobre, carregada de penúria amorosa e espiritual).

   Sem querer ser piegas, nota-se um déficit de ternura no mundo (não só nas contas do governo...).

   Não há internet ou geringonça eletrônica que sacie.

   Estão todos insatisfeitos e muitos procuram, desesperadamente, o caminho da celebridade.

   Fútil, vã – também passageira.

   Troquei de assunto? E por que citei Skakespeare numa das epígrafes?

   Não sei: talvez, para dar um alento à aridez do mundo, para tentar reconquistar algum espaço para a esperança – ou para utopia.

   Mas, afinal, o que quis dizer?

   Que cada um exerça plenamente suas convicções, seguindo o imperativo categórico kantiano: fazer o bem.


Somos meros grãos de areia na imensa praia global? Somos.


   Mas algo – sempre poderemos fazer, seja na “arma” da palavra ou em outra atividade, sem buscar álibis compensatórios (que sabemos ser mentiras)*


*EM TEMPO: Aqui vai nossa modesta solidariedade ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot – homem de bem, devotado ao seu digno trabalho, competente e pessoa de caráter – que tem sido atacado de maneira vil e ferozmente por gente que conhecemos: os eternos defensores da impunidade para o “andar de cima”, para os poderosos que mandam no país desde o seu descobrimento.

   Um dos furiosos atacantes é ministro do STF – que alguém qualificou de “Rasputin do PSDB” – vaidoso ao extremo, que adora um holofote, e ama falar fora dos autos.

   Não me esqueço do que disse dele o ex-ministro Joaquim Barbosa: “Não tenho medo de vossa excelência nem dos seus capangas”. 
   Nem nós.

 (Salvador, agosto de 2017).



Comentário de Eduardo Aydos
 
Querido amigo, publiquei na minha página uma referência ao teu poema, como segue:
 
'NOSSO OLHAR É MEDIDO PELO OLHAR DOS OUTROS' (apud APRENDI, Emanuel Medeiros Vieira, 09/08/2017) 
   Assim disse o meu amigo, no último poema que acaba de me enviar, e que eu ousaria explicitar no seguinte sentido: todo esforço do conhecimento é um processo de auto-reflexão comunicativa. E não se trata de apenas olhar-se, embora isso seja significativo, é também preciso falar-se... atualizando esse significado. E assim ele faz, e assim eu faço, e assim fazemos todos nós. Onde existe um outro, existe também um outro mundo, com sua cultura, sua história e sua vida presente e atual, cuja expressão, a cada preciso momento, é um convite ao entendimento. 
    É assim pensando, que celebro a legitimidade deste olhar desde um outro mundo, que é medida do nosso próprio, nas palavras que o expressam: "nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo". Ouvi algo semelhante desde vários outros lugares do mundo; e, como celebração do seu próprio sentido, de muitas vozes do nosso próprio mundo. E agora o vejo reafirmado, em entrevista da jurista Hërta Däubler Gmelin, referindo fato acontecido na Alemanha, em 2012, quando o Presidente Christian Wulff renunciou ao cargo em razão de denúncia pelo procurador geral, envolvendo a quantia de 700 Euros. 
    Reconheço que não é fácil postular-se esse descortino. E, as declarações em realce, da jurista alemã, ilustram essa dificuldade. A ideologia cega, e a história oprime, quando se perdem os limites da sua utilidade e consequência. 
   
   Quando um convite à reflexão, sobre os padrões éticos que vigoram hoje na política brasileira, recebe como contraponto, em face da sua nacionalidade, a expressão de um desentendimento sobre os horrores do nazi-fascismo na Alemanha, evidencia-se o quanto uma ideologia - seja ela auto-identificada, como de esquerda ou de direita - e uma equivocada invocação da história podem constituir-se num obstáculo epistemológico à decifração da esfinge política que desafia o nosso olhar e o nosso discurso.
 
    Não preciso subscrever sua vontade de poder ou o seu consequente niilismo, para reconhecer a lucidez de Frederico Nietzsche em suas 'Considerações Intempestivas': "A serenidade, a boa consciência, a alegria na acção, a confiança no futuro, tudo isso depende, no indivíduo como na nação, da existência de uma linha de demarcação entre o que é claro e pode abarcar-se com o olhar e o que é obscuro e confuso. Trata-se de saber esquecer a tempo, como de saber recordar a tempo; é imprescindível que um instinto vigoroso nos advirta sobre quando é necessário ver as coisas historicamente, e quando é necessário não as ver historicamente. É este o princípio sobre que o leitor deve refletir: o sentido histórico e a sua negação são igualmente necessários à saúde de um indivíduo, de uma nação e de uma civilização". (PRESENÇA/MARTINS FONTES, P.109)
 
Abraço do
Aydos

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