quarta-feira, 18 de abril de 2012

A OUTRA NUVEM

    Por Janer Cristaldo

    Para quem já deu mais de sessenta voltas em torno ao Sol, os acontecimentos de infância e adolescência pertencem a um passado já distante, do qual as atuais gerações já nem têm idéia. Nasci na época da linotipia, tecnologia que há muito foi para os museus. Fiz curso de datilografia. Suponho que hoje muito jovem jamais tenha visto uma máquina de escrever. Sou da época pré-televisiva, em que as pessoas – no interior, pelo menos – saíam de suas casas para conversar e fazer o footing em torno à praça. Isto, hoje, é da alçada da História. O homem de mais idade sempre tem um pouco de historiador.

    Com a passagem do tempo, observamos o tempo. Há as mudanças bruscas: o automóvel, a televisão, o computador. Esta última, a meu ver, foi a mais rápida e transformadora. Em meados de minha vida, isso de falar com alguém vendo seu rosto e movimentos em uma tela era tecnologia de Guerra nas Estrelas. Hoje faz parte da vida de cada um, como algo que sempre tivesse existido.

    E há também as mudanças mais sutis, só ao alcance do observador mais atento. Se contemplo o mundo contemporâneo a partir de uma ótica de minha juventude, tenho de convir que, nas últimas décadas, não foi só a nuvem de poluição que aumentou sobre as cidades. Uma outra nuvem bem mais nefasta se instalou hoje sobre todas as urbes, a espessa nuvem da mediocridade e da conseqüente valorização do fútil.

    Houve época em que admirávamos o homem de boas leituras, o cultor da boa música e da grande arte. Cada cidadezinha do interior sempre tinha um latinista, que podia ser o pároco, o juiz de direito ou algum advogado. Eram pessoas respeitadas, que gozavam de uma aura de sapiência. Hoje, nem os padres conhecem latim, a lingua franca da Igreja.

    Na Dom Pedrito de meus dias de adolescente, então com 13 mil habitantes, tínhamos o Dr. Márcio Bazan. Cada um de seus artigos, publicados no Ponche Verde, o vibrante matutino local, como dizíamos ironicamente, tinha mais latim que português. Nós fingíamos que entendíamos e tínhamos pelo latinista um respeito sagrado. Leia tudo. Beba na fonte.

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