segunda-feira, 14 de março de 2011

MULHER É O NEGRO DO MUNDO


(para Green-Eyes)
“Woman is the nigger of the world”, o nome de uma canção de John Lennon e Yoko Ono lançada na década de 1970. O álbum era duplo, conceitual, de protesto e a capa imitava a primeira página do New York Times. Foi o disco que menos vendeu de sua carreira, mas o recado foi dado.
A mulher conhece o cara aos 12 anos. Namoram oito anos. Casam, tem dois filhos. O tempo passa. Após 25 anos ela faz um balanço de sua vida e percebe que os filhos estão crescidos e, em breve, sairão de casa com suas próprias mulheres e tudo seguirá como sempre foi.
Ela tem consciência de que o seu casamento nos últimos cinco anos se transformou em um imenso nada. Curioso que se tenha detido para pensar nisso porque sempre acreditou que um dia tudo pudesse mudar e voltar a ser como era antes, quando estava apaixonada e a família era tudo.
As coisas foram perecendo pelo caminho, o amor, o carinho, os detalhes que fazem com que a vida valha a pena. Pensando que o “acaso” pudesse recompor e suprir estas deficiências, pouco se fez intencionalmente para mudar a realidade. A vida vai seguindo e não se encontra uma saída para o impasse. Até um dia, num destes encontros literários, ela que já participou de dezenas de reuniões como aquela, que já viajou pelo mundo, de avião, ônibus, barco, trem... Que teve inúmeras oportunidades de vivenciar histórias, casos, flertes e que nunca cedeu a qualquer tentação no sentido de macular a imagem da família ou o que ela representasse, enfim, percebe (num dia que parecia igual a tantos outros) com certo desconforto, mas ao mesmo tempo como uma revelação, que está interessada em determinado homem no recinto. Observa-o à distância e a sensação de que todos estão olhando para ela.
Passam a se corresponder e ela se descobre apaixonada. Tenta comunicar à família o que está vivendo, mas o espaço lhe é negado. A vida se torna um martírio, e ela se refugia nos livros.
Os homens da casa acreditam que ela está negligenciando o “lar”. Que os livros foram à causa daquela “maldição” que se espalhou sobre a família, outrora feliz.
O marido tenta compensá-la com presentes, um apartamento novo, um carro zero, mas o que foi perdido não pode mais ser recuperado. Uma família pode continuar existindo de outra maneira, mas esta não.
Três indivíduos do sexo masculino pensando apenas na própria “sobrevivência” vão tornar a solidão desta mulher um inferno. Mas a sensibilidade para a arte se aguça com o infortúnio e ela irá existir de outra maneira, nos livros que decidiu escrever, a partir daquela condenação doméstica, para continuar viva!

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