quarta-feira, 9 de setembro de 2009

VANDALISMO EM REPRESÁLIA

Por Olsen Jr.

Demorei 33 anos para dirigir um carro porque prometi que só o faria quando tivesse o meu próprio. Coisa estranha considerando que os meus amigos quase todos já faziam isso desde os 13 anos.

Meu carro é um fox vermelho (a cor do meu clube) com placa MEQ-0606 (Meq em homenagem ao maior enxadrista brasileiro (do meu tempo de ginásio) Henrique da Costa Mequinho e seguido da minha data de nascimento), ah! Quase esqueço, chamo-o carinhosamente de Hägar (homenagem ao cartunista dinamarquês, Dick Browne, criador do personagem “Hägar, o horrível”, a tira de quadrinhos mais lida no mundo).

Eu e o Hägar temos uma relação de grande respeito um pelo outro. Somos parceiros de viagem. Nossa ancestralidade escandinava permite o silêncio sem constrangimentos. Também falamos pouco e respeitamos a solidão de cada um.

Agora, vamos aos fatos. Véspera do jogo entre Avaí e Internacional, os nativos começaram o aquecimento às 09h da manhã. Percebi isso quando fui tomar café. No almoço já havia indivíduos falando sozinho. Decido, junto com o Hägar, ver o jogo em casa, às 18h30min. O Hägar fica no seu canto, sozinho na garagem, lugar limpo e aprazível. O ritual é o mesmo, fecho a casa toda para ninguém saber que estamos lá dentro, a voz roufenha do Chet Baker na copa, televisão ligada sem o áudio, e fico na biblioteca esperando a hora, depois é no rádio mesmo.

Após o jogo e o que se viu. Internacional venceu com dois jogadores a menos e o Avaí também deveria ter dois expulsos, mas os critérios mudaram durante a partida. Há muito a arbitragem brasileira se tornou um caso de polícia.

Fico alegre com a vitória, digo alegre, mas não feliz o que é outra coisa.

Durante a madrugada, alguém insatisfeito com o acontecido, invade a garagem e aproveitando que o Hägar estava dormindo, munido de um objeto perfuro cortante (olha a medicina legal da faculdade de direito) sangra-lhe o ventre de lado a lado e se evade. Pela manhã não consigo dar a partida como faço sempre. É estranho, parece que ele está tentando me dizer alguma coisa. No primeiro posto de gasolina, pouco distante de casa, percebo a ferida no seu corpo, coisa feia, deve ter doído muito. Logo, o Hägar e eu mesmo, somos consolados por transeuntes que também não entendem aquele ato de selvageria diante de uma criatura inofensiva. Com a promessa de uma internação breve, porque se precisa de recursos, o Hägar se conforma e sugere que toquemos a vida como sempre fizemos, sem lamúrias, mas cada vez mais convictos dessa “paixão inútil”, na voz de Sartre, em que se tornou o ser humano.

Duas coisas me ocorrem: uma, o sujeito pensou “danifico o patrimônio dele ou então chego em casa mato o meu cachorro ou arrebento com a minha mulher; ou talvez, o sujeito inconscientemente deve ser um “meia bomba” como disse Paulo Francis a respeito do assassino de John Kennedy, Lee Oswald, fracassado, frustrado e com uma “puta inveja” de tudo o que funcione ao redor, nesse caso não há muito o que fazer...

É irônico, fico em casa para não me incomodar e sou agredido na forma mais covarde de represália que é o vandalismo, a depredação do que não se fez nada para construir... No “dos outros” é refresco, como se diz...

Somos impermeáveis à grandeza, alô! Paulo Francis novamenteç “...Por isso rejeitamos Maurício de Nassau, Calabar e Duguay-Trouin. E deu nisso”.

A famosa tamanqueira portuguesa.

Digo para o Hägar que nem todo o ser humano é assim e que irei tomar as providências que o caso requer embora o cara não tenha deixado nenhuma pista, a menos que se considere um forte cheiro de enxofre no ar, mas isso pode ser confundido com o odor dos mil demônios que exorcizo, diariamente, quando escrevo.


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